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Posfácio

domingo 26 de Junho de 2016

Ysabel de Andia

A interpretação da teologia simbólica do Areopagita por Edith Stein

O artigo de Edith Stein sobre as Vias do Conhecimento de Deus foi redigido em 1941, no Carmelo de Echt na Holanda. Ela escreveu, em 1938, Ser finito e Ser eterno, e, depois de ter terminado, em outubro de 1939, um curto texto espiritual: Um vaso de eleição da Sabedoria divina. Vida da irmã Aimée de Jesus do Carmelo da avenida de Saxe (1839-1874), começa em 1941 a sua grande obra sobre são João da Cruz A Ciência da Cruz.

Ela menciona o seu trabalho sobre Dinis em três cartas. A primeira carta, de 14 de maio de 1941 é dirigida à Irmã Agnella Stadtmüller:

Estou a redigir um curto ensaio sobre a teologia simbólica do Areopagita . Será uma contribuição para uma nova revista de fenomenologia na América. Se conseguir terminá-la, será talvez igualmente possível de a fazer passar lá em baixo.

A segunda carta, de 13 de junho de 1941, é dirigida à madre Petra Brüning, ursulina em Dorsten:

Não sei se escrevi que devia, no meu novo campo de pesquisa, redigir um curto trabalho preliminar para Philosophy and Phenomonological Research, uma revista que é publicada desde o ano passado pelos alunos de Husserl na Universidade de Buffalo. Este curto trabalho («as vias do conhecimento de Deus. A "teologia simbólica" do Areopagita e seus pressupostos») está atualmente a ser datilografada por Ruth K. [Kantorowicz]. Primeiro enviá-la-ei a Valkenburg [1] onde se encontram dois bons conhecedores de Dinis, a fim de ter um juízo sério e qualificado, antes de ousar considerar uma publicação e de prosseguir nesta via. Se o veredicto for favorável, gostaria de vos enviar uma cópia como presente para a vossa festa.

Por fim numa terceira carta, datada de 7 de novembro de 1941, anuncia à irmã Agnella o envio do manuscrito para os Estados Unidos:

O curto ensaio que escrevi partiu em setembro para Buffalo, onde é publicado um equivalente americano dos Anais de Husserl. Não sei se chegou bem. Agora tento preparar qualquer coisa par o quarto centenário de nosso Pai são João, e peço-vos que rezeis por esta intenção.

Ela tinha enviado o manuscrito ao professor Marvin Faber, diretor da revista Philosophie et recherche phénomenologique, que lhe tinha pedido uma contribuição dando-lhe a liberdade de escolher o assunto. Também sabemos que o padre Hirschmann, s.j., tinha dado o seu nihil obstat em nome do bispo de Roemond.

Embora Edith Stein conhecesse o inglês tinha preferido redigir o seu texto em alemão. Ele foi traduzido pelo doutror Rudolph Allers, um dos seus amigos fenomenólogos emigrado nos estados unidos em 1938. Finalmente este artigo será publicado em alemão, em fevereiro de 1946, na revista holandesa Tijdsschrift voor Philosophie [2], e aparecerá, em julho de 1946, na revista americana The Tomist [3].

Tal como Edith Stein o subentende nestas cartas, este estudo sobre Pseudo-Dinis o Areopagita é uma preparação para a sua reflexão sobre o «símbolo» e a «imagem» na Ciência da Cruz. Com efeito Dinis é o primeiro autor cristão que escreveu sobre a «teologia simbólica» e o seu pensamento teve uma influência sobre toda a Idade Média latina e sobre o próprio João da Cruz [4].Entretanto o seu artigotem como título «As vias do conhecimento de Deus. A "teologia simbólica" do Areopagita e seus pressupostos», o que indica que ela só se interessa por Dinis o Areopagita em função de uma problemática mais ampla sobre «as vias do conhecimento de Deus» e que ela quer mostrar os «pressupostos» da «teologia simbólica». Ora os «pressupostos» são a fé e a experiência de Deus, o que a conduzirá a desenvolver uma análise ao mesmo tempo tomista e fenomenológica desta «experiência». Mais ainda, podemos perguntarmo-nos se toda a sua interpretação da «teologia simbólica» de Dinis não é fenomenológica, pois o que lhe interessa não é tanto o pensamento de Dinis mas a «teologia simbólica». Portanto eu gostaria de estudar num primeiro momento a interpretação de Dinis o Areopagita por Edith Stein, antes de ver as suas outras fontes, a fenomenologia e Tomás de Aquino, e mostrar, em último lugar, a sua teoria do «símbolo» e da «teologia simbólica».

I. A TEOLOGIA SIMBÓLICA DE DINIS O AREOPAGITA

«Todo aquele que aborda este desconhecido sem juízo prévio fica imediatamente fascinado pelo poder de um espírito superior. Sem o quererem, os seus críticos malevolentes tornaram-se propagandistas a partir do momento em que lhe cedem a palavra», escreve a irmã Teresa-Benedita da Cruz no início do seu artigo. Ela sentiu «fascinação», isso é tanto mais notável visto que ela só o aborda a partir da tradição ocidental, não estando familiarizada nem com a filosofia neoplatónica, nem com os Padres gregos. Ela coloca-o ao lado de Aristóteles e de Agostinho, como uma das três maiores fontes de Tomás de Aquino e ela reconhece a sua influência na «tradição espiritual da Idade Média». Ela cita o texto do Eclesiastes que Alberto o Grande tinha posto como inscrição do seu comentário sobre Dinis: Adlocum, unde exeunt, fluminarevertuntur, ut iterum fluant (Ecl 1, 7), dando a este refluxo do rio para a sua fonte um sentido hierárquico em vez de reconhecer o grande movimento circular da monè-proodos-epistrophè [5], o esquema fundamental do neoplatonismo que estrutura o pensamento de Dinis, que ela nunca cita. [6]. É ainda como «graus» hierárquicos de ser e de conhecimento que ela percebe o «jorro» da luz, «a partir da luz inacessível que, pelo seu excessivo brilho, oculta às criaturas o Ser primordial» e a sua transmissão, de iluminação em iluminação, dos seres superiores aos seres inferiores, sem mencionar o movimento inverso de conversão e de elevação das criaturas espirituais, humanas ou angélicas, em direção ao «Pai das luzes», fonte de todo o dom, elevação que completa o acto do conhecimento.

Teologia mística: teologia afirmativa e teologia negativa

No entanto, quando ela quer definir a teologia mística, é precisamente como «subida para Deus» que ela a define: «A subida para Deus é uma subida na obscuridade e no silêncio. No pé da montanha, é ainda possível exprimir-se mais abundantemente. É o que faz Dinis...) (1,III).

A irmã Teresa-Benedita da Cruz segue aqui o texto do próprio Dinis que distingue três espécies de teologia, a teologia afirmativa dos Esboços teológicos e dos Nomes Divinos, a Teologia simbólica e a Teologia mística que não é nomeada, [7] correspondendo a três diferentes relações com a palavra: a teologia especulativa que pertence ao domínio do logos, a palavra, a teologia simbólica da polilogia, a abundância de palavras, e a teologia mística da alogia, a ausência de palavras: a elevação do sensível para o inteligível e, do outro lado, para Deus, corresponde à entrada no silêncio e nas Trevas. Curiosamente o termo «Trevas» que neste ponto esperamos não aparece. Parece que Edith Stein não se interessou por Aquele que está «para lá do ser», «para lá da palavra» e «para lá da luz». Ficando numa filosofia tomista do ser, ela não menciona mesmo a concepção neoplatónica do Um para lá do ser e da «união para lá do intelecto» (henosis huper noun). [8] A elevação do espírito e a entrada nas Trevas, da qual a ascensão de Moisés é o paradigma, primeiro no livro do Êxodo (20, 21) depois nos comentários do Êxodo por Philon de Alexandria e Gregório de Niza, não é para ela um modelo teórico das «vias do conhecimento de Deus».

Ela retém de Dinis a oposição da teologia afirmativa e da teologia negativa, que é como uma «escada» levantada para o céu:

É assim que a teologia negativa sobe a escada das criaturas, para em cada degrau advertir que não é lá que se encontra o Criador. Ela vai ao outro lado e examina todos os nomes que lhe deu a teologia positiva, e de cada nome ela deve dizer que o seu sentido não cobre Aquele que está acima de todos os sentidos. Finalmente ela deve suprimir-se a ela mesmo, pois nem a negação nem a afirmação o atingem.

É então que ela cita o fim da Teologia mística de Dinis, numa tradução que deve ser original [9]:

Quando fazemos afirmações ou negações que se aplicam a realidades inferiores Ele, não afirmamos nem negamos nada a seu respeito, pois, Causa perfeita e única de todas as coisas, Ele está acima de toda a afirmação, e acima de toda a negação pela sobreeminência de Aquele que está separado de tudo [10] e para lá de tudo. [11]

A ultrapassagem da teologia afirmativa assim como da teologia negativa «dá lugar à teologia mística». A teologia afirmativa corresponde à similitude das criaturas relativamente ao Criador - «a analogia entis tal como Tomás a exprimiu em ligação com Aristóteles» - a teologia negativa tem uma maior dissimilitude (maior dissimiluto)». «Elas opõem-se sem se excluírem. Completam-se em cada degrau.»

Ora, quando passa à teologia simbólica, a irmã Teresa-Benedita da Cruz parece esquecer o que acabou de dizer sobre a relação e a «complementaridade» da teologia afirmativa - da qual a teologia simbólica é o «degrau inferior» - e da teologia negativa. É no entanto esta relação entre o símbolo e a negação que constitui o enlace da teologia simbólica de Dinis. O movimento de processão dos seres a partir do Um corresponde a um processo de simbolização cujo sentido só pode ser dado na subida, pela via negativa, do espírito para Deus ou o Um. Há um «duplo êxtase», diz magnificamente René Roques, [12], êxtase do Criadorpelas suas criaturas na «processão» da criação, êxtase dos espíritos por Deus, na «conversão» do múltiplo para o Um. Além disso, o símbolo não pode encontrar o seu sentido se não for purificado pela negação que, de qualquer forma, descobre o sentido ao cortar a carne do fruto para fazer aparecer o seu núcleo, ou, ao esculpir os blocos de mármore , para fazer aparecer a forma da estátua, como diz Dinis na Teologia mística, [13] retomando o exemplo do escultor e da estátua da primeira Eneiade (I, 6) de Plotino. O acto da negação é primeiro o acto de separar (remotio), de cortar (ablatio) ou de suprimir (suppressio) o envelope ou o véu sensível do símbolo para manifestar o seu sentido, que é inteligível. É por isso que, em Dinis, há uma theôria dos símbolos, principalmente dos símbolos litúrgicos.

Os dois textos dionisíacos que a irmã Teresa-benedita da Cruz estuda são a Carta IX a Tito e a Hierarquia celeste.

Carta IX

A Carta IX põe a questão dos símbolos utilizados pela Escritura: «A linguagem simbólica chama uma interpretação, pois poderíamos equivocar-nos grosseiramente acerca do seu sentido - por exemplo tomando à letra expressões tais como: o "seio do Pai" de onde precede o Filho, ou o "sopro da sua boca", ou a "cólera de Deus", a sua "embriaguez" ou o seu "sono".» (2, I). Na verdade, Dinis o Areopagita, não mais que Edith Stein, não se envolve numa reflexão sobre os «sentidos da Escritura», mas fala da «contemplação», theoria, símbolos. trata-se de «revelar» os símbolos que «escondem» a realidade divina que representam. A metáfora do véu e a, oposta, da revelação substitui-se à pluralidade de sentidos da Escritura. O véu, é o sensível, a realidade revelada, o inteligível. a oposição do sensível e do inteligível é também a do corpo e da alma. Os símbolos sensíveis dirigem-se à «parte passível», ligada ao corpo, e as formas inteligíveis à parte «impassível» ou espiritual do homem. É notável que tenha sido um neoplatónico a trazer à luz o fundamento antropológico do conhecimento simbólico. [14] No início da Hierarquia celeste, Dinis opõe o conhecimento angélico que é o dos puros espíritos que conhecem a realidade inteligível neles mesmos e o conhecimento humano que tem necessidade do conhecimento simbólico para se elevar ao conhecimento intelectual: «é com efeito impossível que o raio "teárquico" [15] nos ilumine de outro modo que não seja dissimulando-se, para nossa elevação, sob a miscelânea dos véus sagrados e que uma Providência paternal o acomode às conveniências próprias da nossa natureza». [16]

A irmã Teresa-Benedita da Cruz menciona duas imagens: a imagem do fogo, [17] que é, para Dinis, o símbolo da divindade com o mesmo valor que as Trevas, e a imagem da taça ou antes da «cratera» da Sabedoria (Pr 9,2). Dinis desenvolve um na Hierarquia celeste [18] e o outro, na Carta IX [19]. Estas duas imagens exprimem o Poder de Deus. O fogo «permanece desconhecido enquanto não encontrar uma matéria na qual possa manifestar o seu poder», pois o que vemos não é o fogo, mas a acha que arde. Se as Trevas são o símbolo da divindade nela mesma, o fogo é o símbolo da sua ação ad extra. As teofanias divinas são flamejantes, por oposição à obscuridade da sua essência, e o primeiro círculo das criaturas espirituais, os serafins, denominam-se os «ardentes», pois eles estão inflamados pela incandescência divina.

Quanto à imagem da «taça que é circular e aberta, ela serve para simbolizar a Providência que tudo abraça, que ao mesmo tempo tudo penetra e tudo engloba». No seu festim a Sabedoria oferece manjares sólidos e manjares líquidos, os manjares sólidos significam a «perfeição espiritual duradoura» e os manjares líquidos, «a doutrina que se propaga e se derrama em torrentes». Outras imagens simbolizam a causalidade divina: a embriaguez a prodigalidade divina, o sono e o acordar a transcendência da Causa nela mesma e a sua Providência atenta às criaturas. Por fim a «largura » de Deus, a sua «altura» e a sua «profundidade» a grandeza do seu Poder.

O sentido dos símbolos e a experiência

A partir destes exemplos, a irmã Teresa-Benedita da Cruz vai procurar «o sentido imediato e o sentido indireto dos nomes simbólicos» (2, II). É aqui que se opera o deslizamento do pensamento dionisíaco para a análise fenomenológica.

O falar simbólico extrai assim as suas expressões do domínio da experiência interior ou exterior, assim como de dentro do que se chama a «experiência vivida».

Edith Stein encara o símbolo do ponto de vista da sua génese: o que constitui o símbolo, é a experiência. Desde então, ela passa da leitura quase literal do Corpus dionysiacum - poderíamos notar referências dionisíacas quase a cada palavra do seu texto- para uma interpretação a que eu darei o nome de fenomenológica. Ela denomina o mundo dos símbolos o «Reino de Deus», pois Deus é o seu «fundamento», «centro» e «objetivo»: «Todas as emanações do Ser divino, tudo o que é semelhança divina nas criaturas e que as liga a Deus, constitui a unidade do Reino de Deus.» A imagem é bela, mas não é dionisíaca, por um lado porque, quando Dinis toma a imagem do circulo, é antes de mais para sublinhar que todas as linhas preexistem no ponto central onde elas se unem, saem dele e convergem para ele (a totalidade interessa-o menos que a unidade no princípio), por outro lado, porque, para Dinis, o fundamento dos símbolos não é, «teológico» (Deus como princípio e como fim), mas «cristológico». É a Philantropia divina, quer dizer a Incarnação do Verbo, que é o fundamento da relação entre o mundo intelegível e o mundo sensível, é por ela que o universo é todo sacralizado. Porque o símbolo não é da ordem da analogia entis, mas da ordem da sacralidade hierárquica e é Jesus que é o princípio e o príncipe tanto da hierarquia celeste como da hierarquia eclesiástica. Acusou-se Dinis o Areopagita de não dar lugar a Cristo na sua teologia, mas no entanto, como o mostrou René Roques, [20]todo «o universo dionisíaco» está suspenso de Cristo. Foi o que efetivamente compreendeu Máximo o Confessor que, no seu comentário da Transfiguração [21] nos Ambigua, mostra que o fundamento do símbolo, que faz o laço entre as realidades espirituais e as realidades corporais, é a união hipostática entre a natureza divina e a natureza humana no Verbo feito carne. Não é nesta direção que se dirige Santa Teresa-Benedita da Cruz, sigamo-la.

2. O SÍMBOLO E A IMAGEM
A génese dos símbolos: figuração e simbolização

Definindo o campo da Teologia simbólica, Dinis escreve no terceiro capítulo da Teologia mística:

«Na Teologia simbólica, [22] expusemos quais são as metonímias [23] do sensível ao divino, quais são as "formas divinas", quais são as "figuras divinas", as "partes" e os "órgãos", quais são os "lugares" e os "mundos divinos", quais são as "cóleras", as "penas" e os "ressentimentos", quais são as "embriaguezes", os "excessos", quais são os "juramentos" e as "maldições", quais são os "sonos" e os "despertares" e todas as outras formas santamente talhadas que representam Deus simbolicamente» [24]

Dinis definiu os símbolos como «metonímias do sensível ao divino». A metonímia significa o emprego de um nome por um outro nome, literalmente «mudança de nome», é uma figura de retórica e, por extensão, um procedimento discursivo através do qual se exprime um conceito por meio de um termo que designa outro conceito que lhe está ligado através de uma relação necessária. Depois de ter dado toda uma série de exemplos de metáforas antropológicas, ele fala de «todas as outras formas santamente talhadas que representam Deus simbolicamente». Há pois, segundo Dinis, uma «modelagem sagrada» (hieroplasis) e uma «formação» (morphôsis) dos símbolos, que Edith Stein designará por uma «construção» (Bildung) e uma «figuração» (Gestaltung).

Soror Teresa-Benedita da Cruz pergunta-se qual é a diferença entre «símbolo» (Sinnbild) e «imagem» (Bild). O «símbolo», diz ela, tal como é definido nesta frase de Dinis é ao mesmo tempo um «sinal de reconhecimento», um «sinal característico» e por fim um «sinal». [25] É ao mesmo tempo uma imagem que é construída ou modelada (plastos) e uma «figuração» (morfosis) que reenvia para o seu modelo original. Ora o que é construído podemos compreendê-lo a dois níveis: quer a partir das «palavras pelas quais a sagrada Escritura fala de Deus e das realidades divinas», quer a partir das coisas nomeadas, o fogo ou a taça, das circunstâncias relatadas, como nas parábolas, ou das ações, pelas quais os profetas, Cristo ou a Igreja, revelam Deus.

O que é preciso compreender , é a relação imagética existente entre o que, nas palavras, é um significado imediato e um significado indireto. Quando Moisés diz:
O Senhor teu Deus é um fogo devorador, um Deus ciumento, é num certo sentido ele o «teólogo», o fazedor de imagens ou o artista. A magia do seu verbo é tal que ele produz perante os nossos olhos a imagem do abrasamento. É a sua «criação» (sein Gebilde) - e não simplesmente fogo; é o fogo tomado sob um certo aspeto, por um certo lado, que é o de ser «devorador». Neste caso, esta imagem, ou esta criação (Bildung) não tem nada de arbitrário. É preciso admitir que ele criou esta imagem daquela maneira porque ela se impôs a ele, porque ela se formou assim «nele». Ela impôs-se como imagem de Deus, pois foi assim que ele conheceu Deus. Há uma similitude, uma afinidade objetiva, entre o Indizível que ele encontrou, e o «fogo devorador». É aqui que a relação é propriamente «imagética»: um objeto do qual se pode ter uma experiência sensível representa outra coisa em virtude de uma afinidade objetiva, que permite reconhecer um no outro. (2, IV).

O que Edith Stein chama aqui uma «relação imagética» (Bild-verhältnis) é propriamente falando uma «alegoria», quer dizer o fato de dizer a partir de uma coisa outra (allos) coisa. A passagem de uma realidade sensível a outra realidade é o que se chama a «metá-fora», quer dizer o «trans-porte» do sentido de uma para a outra, ou a «met-onímia», a mudança de nome.

«O símbolo como imagem»

Parece que Edith Stein não faz claramente a distinção entre a metáfora, a metonímia, o símbolo e a imagem. Quando ela dá o título ao parágrafo «o símbolo como imagem», ela faz pensar que podemos reduzir o símbolo a uma espécie de imagem. A «teologia simbólica» seria então um caso particular da grande «teologia da imagem» que ela desenvolve no capítulo VII de Ser finito e Ser eterno, sobre «a imagem da Trindade na Criação». Deus é «o autor e a imagem primitiva (Urbild)
de todo o ser finito» Edith Stein, [26] e, segundo Agostinho e Tomás de Aquino, as criaturas espirituais e materiais são «imagens» (imagines) e «vestígios» (vestigia) do seu Criador. Edith Stein substitui a distinção [27] pela de similitudo-imago, [28], sendo aqui a imagem o termo genérico e sendo a semelhança reservada às criaturas espirituais. [29]

Esta redução do símbolo à imagem faz aparecer de novo a diferença entre o «símbolo» no Areopagita e o «símbolo como imagem» em Edith Stein. O mundo dos símbolos, para Dinis, é o da Escritura e o da liturgia [30]: as palavras dos autores sagrados e os atos rituais da Igreja simbolizam o mistério de Deus e a sua «Teurguia». O mundo dos símbolos, para Edith Stein, é efetivamente o da Escritura, mas, ao reduzir o símbolo à imagem, ela insiste no carácter ontológico da relação de similitude das criaturas com o seu Criador, o que de maneira nenhuma faz Dinis que situa o símbolo no universo sagrado do mistério de Deus e dos «mistérios» e sacramentos da Igreja.

É por isso que , quando, no parágrafo seguinte, ela aborda a questão do conhecimento natural e do conhecimento sobrenatural, apressa-se a dizer: «Eu não penso, dada a sua concepção das coisas divinas, que o Areopagita tenha podido considerar o conhecimento natural de Deus como uma fonte possível da teologia.»

Ora, como se pode reconhecer a verdade do que é dito de uma maneira imagética de um modelo que está para lá de toda a representação? Como formar imagens de Deus se não for a partir de um conhecimento de Deus? E «sobre o quê pode repousar este prévio conhecimento de Deus?» Edith responde:

Várias fontes de conhecimento entram em consideração:
 a do conhecimento natural de Deus;
 a dacomo via «ordinária» de um conhecimento sobrenatural de Deus;
 finalmente a de uma experiência sobrenatural como via «extraordinária» do conhecimento sobrenatural de Deus. (2, IV).

Estes três graus do conhecimento de Deus são a «teologia natural», a fé e experiência de Deus, em particular a experiência profética.

3. CONHECIMENTO NATURAL E SOBRENATURAL DE DEUS

A atividade simbólica supõe portanto um conhecimento de Deus nos autores sagrados e este conhecimento é duplo: natural e sobrenatural. Soror Teresa-Benedita da Cruz fala aqui «do ponto de vista tomista» e refere-se, numa nota, à Dogmática de Scheeben. Ela classifica na «teologia natural», «feita pela razão natural», a partir da «experiência natural»

as provas da existência de Deus [...], assim como a doutrina sobre a natureza e os atributos de Deus que se podem deduzir do conhecimento do mundo criado,

quer dizer o conteúdo do tratado De Deo da Suma teológica de Tomás de Aquino. A reflexão sobre os atributos divinos dependeriam desta «teologia natural». Entretanto a distinção entre o conhecimento natural e o conhecimento sobrenatural é completamente estranho para Dinis e, embora ele diga que a explicação dos nomes divinos é uma atividade racional, ele afirma, no início dos Nomes divinos, que ele não extrai «a verdade do que dizemos sobre Deus com as razões convincentes da sabedoria humana, mas com uma demonstração do poder dos teólogos, suscitada pelo Espírito.» [31]

A visão intuitiva e a fé

Quando ela quer definir o método da «teologia natural», soror Teresa-Benedita, enquanto fenomenóloga, diz que, «como qualquer método científico», a teologia natural caracteriza-se pelo «pensamento intuitivo». O conhecimento não se faz «do exterior», mas do «interior» através de uma «visão» que lhe permite apreender o que é a coisa. Assim o pensamento das ciências da natureza pressupõe, como «visão intuitiva», para lá da perceção, a «construção interior da natureza espácio-temporal», e o pensamento do ser vivo. «A vida e a alma são "co percebidas" na perceção, mas, estritamente falando, nunca podem ser vistas do exterior. Conhecemo-las do interior.» Enfim «aquele mundo, com os significantes que conduzem para lá dele mesmo», é o fundamento intuitivo de toda a argumentação ou teologia natural. É igualmente o fundamento intuitivo possível da linguagem das imagens, das criações verbais e da compreensão da teologia simbólica. O salmista percebe Deus na natureza e «encontra Deus em todas as coisas porque Deus lhe fala no interior dele-mesmo». A palavra de Deus é ao mesmo tempo interior e exterior: é Deus que se dá a conhecer no mundo dos símbolos e o «teólogo», quer dizer, o autor inspirado da Escritura, «aprende a conhecer Deus a partir da imagem», o que «não retira à imagem (Bild) o seu carácter de reprodução a partir de um modelo (Abbild)». Visto que não é necessário que Deus seja conhecido primeiramente, podemos também aprender a conhecer um desconhecido, mas é preciso ter um «olho educado». Donde a definição que Edith Stein dá de símbolo:

O que hoje se entende por símbolo é o mais perfeitamente realizado onde uma figura é compreendida como uma «imagem portadora de sentido» (Sinn-bild), e onde a imagem (bild) nos abre para um sentido até aqui desconhecido» (II, 4. A.).

Se Deus é o «teólogo primordial» (Ur-teólogo), toda a criação é uma «teologia simbólica». Mas para perceber esta teologia simbólica da criação, é preciso ter fé. Inversamente a fé pode ser «uma fonte possível para a linguagem imagética da teologia simbólica». Assim a imagem de Deus como «pastor» supõe um conhecimento da proteção divina do crente. É aqui que Edith Stein faz apelo à noção de «experiência sobrenatural de Deus», que é o fundamento da constituição da teologia simbólica.

O que é que faz a experiência de Deus? «O que é que dá ao profeta a certeza de que ele está perante Deus?» É «a certeza de que é Deus que fala», o «sentimento de que Deus está presente», por fim «o encontro com Deus de pessoa a pessoa». «Certeza», «sentimento», «encontro»: eis o que constitui a «experiência de Deus». Esta experiência sobrenatural distingue-se da «experiência natural» por ela ter surgido na experiência mas não porvir dela, mas de Deus. O «sentimento da presença de Deus» é «o coração da experiência mística», mas é o começo, o «grau mais baixo». Do sentimento de presença à «contemplação infusa» e à «união constante», há uma grande variedade de graus. A realização plena desta experiência mística é a visio beatifica.

A profecia

Entre as experiências sobrenaturais de Deus, há também a profecia:

O que o profeta recebe de Deus forma por assim dizer a «alta escola» da teologia simbólica. As imagens, as palavras dadas ao escritor sagrado permitem-lhe dizer o Indizível, tornar visível o Invisível. O mais importante vem a ser no entanto o contacto direto com Deus, sem palavras nem imagens.

Edith Stein já conheceu, depois do seu batismo, o estado de repouso em Deus, como ela afirma num artigo publicado no Jahrbuch für Philosophische Begrundung der Psychologie und der Geisteswissenschaften, [32], em 1922:

É um estado de total suspensão de toda a atividade do espírito, no qual já não se podem traçar planos, nem tomar decisões, nem mesmo fazer nada, em que, tendo colocado todo o futuro no querer divino, a pessoa se abandona totalmente ao seu destino... e enquanto me abandono a este sentimento, eis que uma vida nova começa pouco a pouco a encher-me e - sem nenhuma tensão da minha vontade - a empurrar-me para novas realizações. Este afluxo vital difundir-se com uma Atividade e uma Força, que não é a minha e que, sem violência, se torna ativa em mim. O único pressuposto necessário para um tal renascimento espiritual, parece ser essa capacidade passiva de acolhimento que está no fundo da estrutura da pessoa.

Esse «estado de total suspensão de toda a atividade do espírito», e de passividade, descrita tanto para Dinis o Areopagita como para soror Teresa Benedita da Cruz, a experiência mística. Há uma passividade semelhante na experiência profética, em que o espírito do profeta se deixa conduzir pelo Espírito de Deus, como mostrou Fílon de Alexandria [33] e depois dele vários teólogos, mas esta passividade reforça-se com uma atividade de imagens e de palavras.

Se a arte do profeta é a de dizer o indizível e de tornar o invisível visível, o conhecimento de Deus imediato, sem palavras nem imagens, é, todavia, mais elevado. É por isso que

ao revelar através de imagens um mundo suprassensível por meio de imagens simbólicas, ela [a teologia simbólica] quer provocar uma separação do mundo sensível para conduzir o homem àquele ponto em que não haverá mais necessidade de imagens. Ela quer conduzi-lo «pela mão» para lá do sensível, para o espiritual, e finalmente para o cume, para a união com o Um.

A teologia simbólica completa a profecia: se a profecia segue o movimento descendente da simbolização, a teologia simbólica desposa o movimento ascendente do intelecto ou do espírito que é de alguma forma «conduzido pela mão» do sensível ao que está para lá do sensível e, finalmente, até à união com o Um.

É interessante ver como Edith Stein coloca a experiência profética no coração da teologia simbólica. Ela traduziu, em 1931-1932, De veritate de Tomás de Aquino [34] cuja questão 12 (a. 12) sobre a profecia provavelmente a influenciou, tal como a questão 2 sobre o conhecimento divino e a imagem principal ou a similitude entre Deus e as coisas criadas: «O conhecimento divino é perfeito - diz John M. Oesterreicher -, visto que compreende o próprio Deus, a sua existência e a sua essência infinitas, e, na sua essência e por ela, a imagem principal, a similitude de todas as coisas criadas, de todas as coisas possíveis, inclusive a contrapartida negativa do que é: o que não é. As Ideias, imagens virgens sobre as quais ele modela as suas criaturas - estudadas na questão 3 -, embora múltiplas nas criaturas, são unas na inteligência divina.» [35]

Ela tira igualmente do De veritate a sua análise da fé a tal ponto que se pode pôr em paralelo o seu estudo sobre a teologia simbólica e a sua tradução do De veritate.

O símbolo como véu e revelação

Depois de ter estudado a constituição do símbolo que se funda, do lado de Deus, sobre a similitude do criado e do Criador, e, do lado do homem, sobre o conhecimento natural e sobrenatural que ele tem de Deus, Edith Stein aborda um outro aspeto: «a teologia simbólica como véu de ocultação».

A questão é agora a da compreensão da linguagem imagética e, em primeiro lugar, da sagrada Escritura. Para alguns, ela permanece um «livro fechado com sete selos», eles ficam-se pelo «sentido imediato das palavras» e não podem «ver através das imagens». Os símbolos permanecem opacos e os seus olhos «cegos». Ainda mais, se não tomam em conta «a maior dissimiluto» e chegam a uma representação irrespeitosa de Deus», podem «perder a fé» rejeitando uma representação de Deus que lhes repugna. Entretanto há sempre uma parte de responsabilidade nessa «cegueira».

Se é verdade que a «teologia simbólica» pode esconder Deus, é a ela que pertence aprender a vê-lo. «Deus quer deixar-se encontrar por aqueles que o procuram. Portanto ele quer primeiro ser procurado», é por isso que a «revelação natural» é uma «incitação a procurar» e a «revelação sobrenatural responde às questões postas pela revelação natural». A própria fé «faz nascer o desejo de uma claridade sem véu; como encontro indireto ela acorda o desejo de um encontro imediato com Deus». Finalmente, é a «visão beatífica» que será a plena revelação dos símbolos.

Por outro lado nem todos podem compreender o sentido escondido das palavras ou das imagens. O Senhor conclui uma série de parábolas dizendo «Quem tem ouvidos ouça!» (Mt 11, 15). Ele mesmo «abriu» os olhos e o sentido escondido aos discípulos de Emaús (Lc 24, 31-32). A «chave» que abre as Escrituras é ao mesmo tempo dada interiormente pelo Espírito e confiada àqueles que têm a «função de chave»: Pedro e a Igreja. É aqui que soror Teresa-Benedita da Cruz encontra «o significado das hierarquias do Areopagita»: da mesma forma que há diversas maneiras e graus de ocultação, existem maneiras e graus diversos de revelação, uma gradação de funções e uma gradação «na inaptidão para lá penetrar ou na aptidão para lá ser introduzido». Segundo Dinis, esta «aptidão» ou «inaptidão» faz parte dos dons da divindade que marcam o carácter objetivo da hierarquia eclesiástica, mas o dom não é uma determinação: ele é inseparável da resposta livre que lhe é dada e é este «amor» que verdadeiramente marca o lugar na hierarquia. A purificação do intelecto é necessária para ver Deus em todas as coisas, e os espíritos angélicos, que são puros espíritos, têm uma contemplação mais pura que a dos homens, mas esta situação hierárquica não suprime o trabalho ascético de purificação de cada ser na sua ordem. E se alguém se purifica para melhor contemplar Deus, ele possibilitará a outros melhor contemplar Deus e purificar-se para o conhecer.

4. O SÍMBOLO NA «CIÊNCIA DA CRUZ»

Prolongando a sua reflexão sobre o símbolo na obra de João da Cruz, soror Teresa-Benedita da Cruz analisa, na Ciência da Cruz [36], os símbolos da Cruz, da Noite e da Esposa e esta análise condu-la a novos desenvolvimentos sobre a teologia simbólica em geral. A doutrina da Cruz de são João da Cruz apresenta-se como uma doutrina da noite: «O símbolo predominante - diz Edith Stein - tanto nos seus poemas como nos seus tratados, não é nada a Cruz, mas realmente a Noite. Este símbolo está no centro da Subida e da Noite» [37]; e a primeira coisa que podemos perguntar-nos é saber se a Cruz e a noite podem ser chamados símbolos no mesmo sentido do termo. O outro símbolo, que está no centro do Cântico Espiritual, é a Esposa.

Os símbolos da Cruz e da Noite

Na Ciência da Cruz, [38], para mostrar a diferença entre a Cruz e a noite, Edith Stein faz apelo à distinção entre sinal e imagem (Zeichen und Bild): «a imagem (Bild) carregada de sentido (Sinn) é símbolo (Sinn-Bild)». A imagem deixa ver o que é figurado, o modelo (Abbild), [39] graças a uma íntima semelhança com esta coisa. A Cruz não é uma imagem, mas um símbolo no sentido geral. É pela história da salvação que a Cruz recebe o seu significado. Neste sentido ela merece ser chamada um «sinal representativo». A noite é qualquer coisa de natural. É o contrário da luz que nos envolve. Não é um objeto nem uma figura. A luz faz aparecer as coisas, «a noite engole-as ameaçando engolir-nos com elas» (p. 41).

Há uma analogia entre a noite cósmica e a noite da alma: «a noite cósmica age sobre nós da mesma maneira que aquilo que chamamos noite no sentido figurado» (p. 41). É todo este simbolismo da noite que está presente no poema de João da Cruz sobre a Noite escura:

A noite sossegada
Que deixa adivinhar o despertar da aurora
A música silenciosa,
A solidão sonora, a ceia que recreia e enamora.
 [40]

A noite cósmica que subtrai o mundo à claridade do sol é precisamente o modelo da noite mística que, no entanto, é muito diferente dela:

A noite mística - diz Edith Stein - não deve ser compreendida à maneira da noite cósmica. Com efeito não é de fora que ela nos penetra. Pelo contrário ela tira a sua origem do fundo íntimo da alma e por outro lado surpreende unicamente a alma sobre a qual ela cai. Contudo os efeitos que ela produz no interior desta alma são em toda a linha comparáveis com os da noite cósmica. Ela determina uma submersão do mundo exterior mesmo que este se mostre lá fora na total claridade do dia. Ela transpõe a alma no abandono, na solidão e no vazio, importunando a atividade com as suas forças e assustando-a com a ameaça de todos os medos que nela abriga. No entanto também aqui se levanta uma claridade noturna que, no fundo íntimo da alma, descobre um mundo novo. Esta mesma claridade ilumina de tal forma pelo interior o mundo exterior que este depois nos é dado completamente transformado. (p. 43).

É manifesta a diferença entre a noite cósmica e a noite mística: uma é exterior à alma e comunica os seus efeitos do exterior para o interior, a outra surge do interior da alma e expande-se para o exterior, transformando o cosmos pela sua claridade noturna; uma tem contornos bem precisos, a outra qualquer coisa de inapreensível. A diferença entre o carácter simbólico (Symbolcharakter) da Cruz e a noite aparece igualmente: uma refere-se a uma história santa, a outra inunda o cosmos e a alma:

A Cruz é o sinal representativo (Warhrzeichen) que nos representa tudo o que se relaciona com a Cruz de Cristo, quer se trate de uma relação de causa ou de uma relação histórica. A noite, pelo contrário, é a indispensável expressão cósmica da intuição mística do mundo (mystische Weltsicht) tal como o perspetiva são João da Cruz (p. 45).

Há diferentes «noites» no poema: a «noite sossegada (noche sosegada), a «noite escura ardente de um amor cheio de angústias» (noche oscura con ansias en amores inflamada), a «noite bendita» (noche dichosa) e a «noite mais amável que a aurora» (noche amada más que la alborada) e diferentes espécies de noites da alma: a noite dos sentidos e a noite do espírito, a noite ativa e a noite passiva. A noite dos sentidos é a «porta estreita» (Mt 7, 14) que dá para a «via estreita» da noite do espírito. Deus desseca o gosto das criaturas antes de «se comunicar à alma não mais pelos sentidos, mas pelo espírito puro, por um ato de simples contemplação o qual não é atingido nem pelos sentidos exteriores, nem pelas faculdades interiores» (p. 55). Há diferentes momentos da noite:
1. A noite como «ponto de partida, via e fim» (p. 48), é a noite da fé, «a escuridão da meia-noite», sem atividade dos sentidos ou da razão;
2. A entrada na noite como imitatio Christi. É a «mortificação da alegria que se experimenta ao desejar todas as coisas» (p. 49), expressa na recomendação da Subida (L. I, ch.13): «age de tal forma que a tua inclinação te leve não ao mais fácil, mas ao mais difícil, não ao que dá mais gosto, mas ao que tem menos...»;
3. O fim da noite que termina com o «levantar da aurora» (los levantes de la aurora), a aurora, em que está próximo o encontro glorioso com o amado.

Vemos que o símbolo da noite toca todos os sentidos: é uma «cegueira», um estreitamento da inteligência, uma secura dos sentidos e do gosto tanto coisas sensíveis como coisas espirituais. Diferentemente das «Trevas» dionisíacas que são as Trevas da essência divina para o intelecto que lá «penetra» (Ex 20, 21), a «noite» sãojuanista é antropológica ou psicológica: ela atinge a alma e o corpo, enquanto que a Cruz permanece a Cruz de Cristo e é o próprio lugar da união da alma com Deus: «O nosso fim, é a união com Deus, o nosso caminho, Cristo crucificado, é o de fazer um só com o Crucificado» (p. 69).

O símbolo da Esposa

Há outros símbolos que provêm de são João da Cruz, como a veste de três cores: a «túnica branca da fé», o «gibão verde da esperança» e a «toga vermelha da caridade» (p. 162-163), mas os dois grandes símbolos são a noite e a Esposa. Estes são dois símbolos relativos: a noite é relativa ao dia e a Esposa ao Esposo. A primeira relação é cósmica, a segunda nupcial. Mas, no Cântico espiritual, todo o mundo cósmico é imagem do Amado e o amor tem um sentido ao mesmo tempo cósmico e místico:

Ó fonte cristalina,
Se no espelho das tuas águas prateadas,
Formasses subitamente
Os olhos desejados,
Que tenho, nas minhas entranhas, desenhados.
 [41]

O rosto do Amado é refletido na «fonte cristalina» e os «olhos desejados» são os «raios» que o atraem para o fundo mais profundo do seu ser. A voz do Amado é como a «brisa suave», na qual Elias contemplava Deus (1 R 19, 12) e nesta «noite sossegada», há uma «música silenciosa» que se comunica sem ruído. Nela - diz João da Cruz - se goza a suavidade da música e a quietude do silêncio». [42]

A Amada chama o Espírito para que ele «acorde os seus amores, como o vento nos jardins espalha o perfume das flores». «No sopro do Espírito - diz Edith Stein - o Filho de Deus comunica-se à alma de uma maneira muito sublime. E é Ele que, antes de tudo, se alegra com o seu ornamento de flores» (p. 281). Aqui as flores são as virtudes da alma. «A Esposa entrou então no jardim de delícias que ela desejava» (p. 284). Deus chama para os esponsais no jardim florido. E estes esponsais são a união da natureza divina e da natureza humana que participa na natureza divina: «Esta união, é verdade, não poderia ser consumada nesta vida de uma maneira perfeita: entretanto ela ultrapassa tudo o que se pode dizer e pensar» (p. 285).

Este casamento faz-se debaixo de uma árvore, a macieira do Cântico que é a árvore da Cruz e é por isso que os esponsais são inseparáveis da Cruz:

Ela entrou num novo Paraíso. E é sob a macieira que o seu casamento se vai consumar. Aqui, a alma fiel é introduzida nos maravilhosos mistérios de Deus, sobretudo nos mistérios suaves que são a Incarnação e a Redenção. da mesma maneira que no Paraíso a natureza humana foi perdida e entregue à corrupção por ter desfrutado do fruto da árvore proibida, assim este novo fruto que a árvore da Cruz contém a salva e restabelece. Foi do alto da Cruz que o Esposo lhe estendeu a mão da Sua graça e da Sua misericórdia, e, pelos méritos da Sua paixão e da Sua morte, pôs fim à inimizade que, desde o pecado original, separava os homens de Deus. Foi sob a árvore do Paraíso que a natureza humana, nossa mãe comum, foi corrompida pelo pecado, na pessoa dos nossos primeiros pais. Sob uma outra árvore, a da Cruz, a alma renasce para a vida. (p. 285-286.)

Assim a Cruz é a nova árvore do Paraíso que dá um fruto não de morte, mas de vida. A união a Deus, fim da via mística, é uma união à sombra da Cruz. Ela conclui-se «sob a árvore da Cruz», porque ela é «o fruto da morte de Cristo e porque se realiza pela participação nos seus sofrimentos na Cruz» (p. 288).


[1Comunidade Jesuita, na província de Limbourg, na Holanda.

[2Tijdsschrift voor Philosophie, 8º Jaargang, nº 1, Feb. 1946.

[3Edith Stein «On Ways to Know God», The Tomist IX, 3 (1946), reeditado em Edith Stein, On Ways to know God, The Edith Stein Guild, New York, 1981.

[4Cf. «Saint Jean de la Croix et la Théologie mystique de saint Denys l’Aréopagite», Jean de la Croix, un saint, un maître, Venasque, 1992, p. 259-314.

[5Tríade neoplatónica que significa persistência, progresso rumo à diversidade, retorno à união. (N.d.T.P.)

[6Apesar disso, num fragmento (ESW XV; Anhang, p. 111), ela discute a comparação Dinis/Proclus.

[7Teologia mística, III, 1033 A-B.

[8Ysabel de Andia, Henosis. L’union à Dieu chez Denys l’Aréopagite, Leinden, Brill, 1996.

[9As traduções em alemão de Dinis o Areopagita de que Edith Stein podia dispor eram: J.G.V. Engelhardt, Die angeblichen Schriften des Aeropagiten Dionysius übersetzt und mit Abhandlungen begleitet, Sulzbach, 1823 e J. Stiglmayer, Übersetzunz der beiden Hierarchien, München, 1911, Die göttlichen Namen, München, 1933. Endre von Ivanka fez, mais tarde, uma antologia de textos dionisíacos: Dionysius Areopagita. Von den Namenzum Unnenbaren. Auswahl und Einleitung, Einsiedeln, 1959. As Dioysiaca publicadas na abadia de Solesmes datam de 1937.

[10A transcendência divina está para lá da afirmação assim como da negação.

[11Teologia mística, III, 1048, A-B.

[12René Roques, «Symbolisme et théologie negative chez le Pseudo-Denys», Strutures. Dela Gnose à Richard de Saint-Victor. Essais et analyses critiques, Paris, 1962, p. 164-179. Ver também na mesma recolha: «Connaissance de Dieu et théologie symbolique d’après l’In Huerarchiam coelestem sancti Dionysii de Hugues de Saint-Victor», p. 294-364.

[13Théologie mystique, II, 1025 B.

[14Ysabel de Andia, «Philosophie e union mystique chez le Pseudo-Denys l’Areopagite», in «Chercheurs de sagesse». Homage à Jean Pépin, Paris, 1992, p. 511-531.

[15Relativo a "tearquia" - do grego, "Teos" (Deus) + "Arquia" (governo) - governo de Deus. (N.d.T.P.)

[16Edouard Jeauneau, « divino Nada e teofania. Erígenes, disciplo de Dinis», in Primeiro congresso internacional Dinis o areopagita (Atenas 29 junho-2 julho 1993), Atenas, 1995, p. 125-126. «No capítulo XV da Hierarquia celeste, o Aeropagita pergunta-se porque é que as sagradas Escrituras, na sua descrição do além, privilegiam as imagens tiradas do fogo. A resposta é que o fogo possui várias propriedades que são também, se é permitido exprimir-se assim, as da Essência que está para lá do ser e da forma... Segundo a física dos Antigos, o fogo, em si mesmo, é invisível. Quando dizemos que vemos o fogo, a nossa linguagem é imprópria: não é o fogo que vemos, mas uma matéria ígnea. O fogo, invisível em si, só se manifesta se encontrar uma matéria que possa iluminar e aquecer. Dito de outra maneira - se posso permitir-me este neologismo - nós nunca vemos o fogo, mas apenas "pirofanias"» (p.125).

[17Hierarquia celeste, 121 B-C.

[18Hierarquia celeste , 327.

[19Carta IX,1109.

[20René Roques, L’Univers dionysien. Structur hiérarchique du monde selon le Pseudo-Denys, Paris, 1954, 1983.

[21Ysabel de Andia, «Transfiguration e théologie negative chez Maxime le Confesseur e Denys l’Areopagite», Denys l’Aréopagite et sa postérité en Orient et en Occident, Paris, 21-24 septembre 1994, p. 293-328.

[22Obra perdida ou fictícia, citada em Hierarquia celeste 336 A, Nomes divinos 597 B, 700 C, 913 B, 984 A, Teologia mística 1033 A-B, Carta IX, 1104 B.

[23É um hápax (palavra ou expressão que apenas aparece uma vez num determinado corpus - N.d.T.P.) no CD onde o termo «metáfora» não é empregue. (metonímia: figura de translação em que se aproveitam as conexões de sentido entre as palavras, tais como tomando a causa pelo efeito, a matéria pelo objeto, o todo pela parte, etc. - N.d.T.P.).

[24Teologia mística, III, 1033 A-B.

[25Edith desenvolve pouco a noção de «sinal», aqui ou em Ser finito e Ser eterno, quando se teria esperado da discípula de Husserl uma referência a esta noção que foi admiravelmente exposta nas Pesquisas lógicas (tradução franc. por Hubert Elie, Paris, 1961). Todo o primeiro capítulo do tomo II sobre «As distinções essenciais» versa sobre o «duplo sentido do termo sinal» (§ 1), «a essência da indicação» (§ 2), a «demostração» (§ 3), as «expressões na sua função comunicativa de manifestação» (§ 7), as «distinções fenomenológicas entre o fenómeno físico da expressão, o ato dador de sentido e o ato que preenche o sentido» (§ 9) onde ele fala do nome. É no segundo capítulo sobre os «Atos que conferem o sentido» que Husserl faz uma análise do símbolo, primeiro do «símbolo matemático» (§ 20), depois sobre «a necessidade de voltar à intuição para a elucidação dos significados e das verdades sobre eles fundadas» (§ 21).

[26L’Être fini et l’Être éternel. Essai d’une atteinte du sens de l’être, Louvain, 1972, p. 355.

[27imago-vestigium

[28Cf. Tomás de Aquino, Suma teológica, Ia, q. 93, a. 2 e 9.

[29Edith Stein, L’Être fini et l’être Éternel, p.460. Edith Stein não pode «seguir» são Tomás, «quando ele mostra que a criação não é ,mais que um traço do ser trinitário». A imagem toma então um sentido englobante, enquanto, na oposição imagem-vestígio, a imagem caracterizaria os seres espirituais.

[30Edith Stein menciona a liturgia e a arte, num fragmento que é um rascunho não usado deste estudo (ESW XV, Anhang, p.110), mas ela não desenvolve este aspeto no seu estudo.

[31Nomes divinos, 585 B.

[32Edith Stein, «Beiträge zur Philosophischen Begrundung der Psychologie und der Geistewissenschaften. Erste Abhandlung: Psychische Kausalität», in Jahrbuch für Philosophische Begrundung der Psychologie und der Geisteswissenschaften, vol. V, 1922.

[33Cf. É. Bréhier, Les idées philosophiques et religieuses de Philon d’Alexandrie, Paris, 1908, 3ª ed. 1950.

[34Edith Stein, Des hl. Thomas von Aquino Untersuchungen über die Wahrheit, vol. I.-II., Breslau, 1931; publicado em ESW: tomo I, ESW III, Freiburg Herder, 1952 e tomo II, ESW IV, Freiburg Herder, 1955. Ver o resumo de Erich Przywara, s.j., «Thomas von Aquin deutsch», in Stimmen der Zeit, CXXI, 11 de agosto de 1931: «É são Tomás e nada mais que são Tomás, mas isso de tal maneira que nos encontramos sem diferença alguma com Husserl, Scheler e Heidegger. O Vocabulário fenomenológico, que na qualidade de autêntica filósofa Edith Stein pode chamar o seu, em nenhuma parte foi indevidamente substituído pela linguagem de são Tomás; e no entanto entre estes dois universos as portas abrem-se sem esforço.» Esta tradução de Tomás marca, para Edith Stein e para o pensamento fenomenológico, a passagem de Husserl para são Tomás, é por isso que é no Festschrift composto para os sessenta anos de Husserl, que ela usará como tema, para o seu velho mestre, a passagem da fenomenologia para são Tomás de Aquino em «a fenomenologia de Husserl e a filosofia de são Tomás de Aquino», in Fenomenologia e filosofia cristã, apresentado e traduzido por Ph. Secretan, 1987, p. 31-55. Ela trata de «a questão da intuição. Método fenomenológico e método escolástico» nas páginas 45-55. Cf. John M. Oesterreicher, Edith Stein, filósofa judia perante Cristo, Prefácio de J. Maritain, Genève, Ad Solem, 1998, p. 47-61.

[35John M. Oesterreicher, Edith Stein..., p. 55.

[36Cf. Ysabel de Andia, «Entrar na ciência da Cruz», La Quête de la vérité, Saint-Maur, Parole et silence, 1999, p. 133-153.

[37Edit Stein, A Ciência da Cruz. Paixão de amor de são João da Cruz, Louvain-Paris, 1957, p.39. As páginas entre parêntesis reenviam por consequência para esta tradução francesa.

[38Edith Stein, Kreuzeswissenschaft. Studie über Joannes a Cruce, ESW I, Louvain, 1950, I, § 1, 1. «Unterschied im Symbolcharakter: Wahrzeichen und kosmicher Ausdruck», p-32-33.

[39Encontramos os mesmos jogos de palavras em alemão: «Bild-Abbild-Sinn-Bild»,no texto sobre Dinis e na Ciência da Cruz; Erkenntnis und Glaube, ESW XV, Herder, Freiburg, 1993, p. 87 e Die Kreuzeswissenschaft, p. 32-33.

[40Cântico Espiritual, A, str. 15.

[41João da Cruz, Cântico espiritual, A, str. 11; Cântico espiritual, B, str. 12.

[42João da Cruz, Cântico espiritual, A, com. str. 14, § 25.